Por Patrícia Yano*
Resido e trabalho em Rio Branco há 15 anos, mas minhas raízes estão em Belém e na região do Salgado no Pará, Amazônia Oriental. Ao longo desse tempo, transformei este bioma amazônico em meu lar.
Há semanas estamos envolvidos em um ar que nos nega o alento. Pequenos animais, insetos, buscam refúgio desesperados, como quem grita silenciosamente: “Ecossistema desequilibrado, tá tudo errado!”
Eles se movem em um caos sutil, tentando sobreviver em um ambiente que já não os acolhe, sinais vivos de que algo maior está fora de sintonia.
O que deveria ser um ciclo de harmonia agora é um grito abafado pela fumaça e pela degradação. As criaturas menores, invisíveis aos olhos da maioria – e vistos como repugnantes por muitos, são as primeiras a sentir o colapso. Elas parecem mais sábias que nós.
Mas, o que é afinal, o irrespirável? Não apenas o ar que nos sufoca. É a dor dos animais que gritam em silêncio, o lamento da atmosfera, envenenada pelo nosso descaso. É o sofrimento invisível que atravessa corpos e corações, a angústia de quem é ignorado quando tudo o que pedimos é respirar.
O irrespirável é a miséria de não ser visto, de sufocar num mundo que insiste em calar, enquanto o céu chora fumaça e as vidas, humanas ou não, se desmancham em um grito que ninguém escuta.
Estamos em cativeiros de fumaça, prisioneiros de um ar que não nutre.
Nesse confinamento, nos tornamos apáticos, desesperados, às vezes até ferozes.
Sim. Não somos ferozes quando estamos na natureza, mas quando a perdemos!
Nossa pior versão, aquela que emerge quando a liberdade de respirar é negada.
Vagamos, mesmo sem sair do lugar, como seres em jaulas invisíveis, sob um constante estresse que nos aperta o peito e os pensamentos. Claustrofóbicos em
nossos próprios corpos, clamamos silenciosamente por um fôlego limpo, por
uma pausa nesse sufoco que parece nunca cessar.
Respirar se torna um desejo e nós, seres naturais, nos debatemos em nossa própria prisão, ansiando pela natureza perdida.
Nosso modelo deveria ser existencial ecológico. A pergunta que nos
atormenta é: por que a natureza é tratada como o “diferente”? Por que a metrópole, a indústria, o concreto que sufoca, são o centro, o padrão, enquanto o que é vivo, orgânico, é apenas um refúgio temporário, um escape?
Quando foi que nos convencemos de que nossa casa, a floresta, o rio, o vento, se tornaram apenas “destinos”?
Não, a natureza é o nosso lar, não uma fuga ocasional. Ela tem parte no todo. E que parte!
É a floresta que é selvagem ou somos prisioneiros das normas sufocantes?
Estamos em cativeiro, mas não nas florestas, mas no ar envenenado, no excesso de estímulos fúteis e na ausência de alma que nos empurram a acreditar que este modelo, egológico – centrado no indivíduo é o normal.
Só que não somos separados do mundo natural, somos parte dele. Somos naturalmente ecológicos, interligados, e não isolados em caixas de concreto e aço.
As normas deste mundo — industriais, artificiais, desenraizadas — são patogênicas. Elas adoecem nossas mentes, nossos corpos, nossa relação com o todo. O sofrimento é real, mas negligenciado.
Negligenciado por autoridades que nos deixam à margem, respirando um ar pesado, cercados de um modelo que ignora a natureza como o verdadeiro natural.
É esse egocentrismo que nos separa
de quem realmente somos.
Estamos lidando com um desabrigamento psicossocial profundo, uma desconexão que vai além das relações humanas. A necessidade de conexão em grupos de cidades, de comunidade, abordou um aspecto importante da crise, mas deixou na sombra algo essencial: nossa necessidade de parentesco com o
lugar e a com o senso de ecologia.
Não estamos apenas perdendo contato uns
com os outros, estamos nos distanciando da terra, do solo que nos sustenta, das histórias tecidas com o vento, com as árvores, com as águas.
Perdemos nosso lar — não apenas o lar físico, mas o lar enquanto pertencimento, aquele que se encontra na integração com redes profundas de parentesco humano e natural.
Sem essa teia de comunidade multigeracional,
onde os laços são tanto com os ancestrais quanto com as gerações que virão,
estamos desconectados, andando por um mundo que já não nos reconhece e que
deixamos de reconhecer.
Essa dessensibilização para com a conexão — com a terra, com os seres, com as histórias compartilhadas — é o que nos faz sentir como se nossos corações tivessem murchado.
Sem o sentido de pertencimento a um lugar vivo, a um ecossistema de relações, nossa alma parece esmorecer. Estamos como folhas
soltas, desancoradas, sem raízes para absorver o amor que brota de um lar
verdadeiro. E assim, vagamos, murchos, num mundo que nos pede para despertar, mas que insistimos em não ouvir.
Nosso lar na Amazônia Ocidental tornou-se um cativeiro. Mas o que é difícil entender sobre a terra ser parente? Sobre as plantas, os rios, os animais e montanhas sermos também nós?
Esse é o enraizamento profundo, a verdadeira
conexão com o lugar. E foi essa integração com a terra e a comunidade que a
sociedade industrial nos roubou. Estamos desconectados não só uns dos outros,
mas da própria Terra. Esse rompimento nos feriu de maneiras que nem sempre
enxergamos. Sem a participação em nossas conexões evoluídas com e no mundo
natural, nos tornamos repetitivos, autodestrutivos, aprisionados. Isso é
irrespirável!
Não creio que possamos realmente entender, muito menos sarar, nossos comportamentos nocivos sem considerar seriamente que o modo de vida ao qual nos acostumamos é, em grande parte, o problema.
Chegar ao ponto de sermos escutados não pelo choro da floresta, mas pela fumaça que sufoca as grandes metrópoles, é entristecedor.
O ar que se torna irrespirável é o mesmo que nos força a prestar atenção. Parece que a fumaça é o que finalmente desperta a
atenção que o silêncio da natureza não conseguiu obter: Isso é irrespirável.
Sim. Estamos na floresta e estamos confinados. Estamos num grande
cativeiro, esperando que alguém nos ouça.
Nesse confinamento, nossa autorregulação organísmica — o processo natural pelo qual o corpo e a mente buscam equilíbrio e satisfação de suas necessidades — é interrompida.
Lutamos contra a perda de nossa capacidade de nos ajustar ao ambiente, de encontrar
respiro e equilíbrio. O próprio bioma que deveria nutrir nossa existência está
preso ao mesmo ciclo de sofrimento, e, nesse cativeiro, ficamos esperando que alguém nos escute, enquanto nossa conexão natural com a terra e com nós mesmos se desvanece. E isso é irrespirável.
* Patrícia Yano é Psicoterapeuta e professora-doutora