A carta de renúncia foi breve.
Era o último ato de alguém que fora eleito pelo voto, que resistiu enquanto pôde.
Que queria investir na alfabetização pelo método Paulo Freire e que apostava na reforma agrária.
O último dia de um jovem idealista e sonhador.
Há 55 anos, o primeiro governador eleito na história do Acre era obrigado a renúncia ao mandato conferido pelo povo acreano.
Professor de filosofia, José Augusto de Araújo teve pouco tempo de governo, mas fez história pelas metas ousadas que pretendia implantar em um Acre basicamente agrário.
Queria dar oportunidade às pessoas de seu Estado, que viviam como escravas, nos seringais, sem direito à saúde, à educação, a uma renda; não podiam sequer plantar ou ter seus próprios animais nas Colocações.
Araújo cometeu o pecado de ir contra as oligarquias e os poderosos locais.
Era um jovem governador, para um jovem Estado.
Na carta de renúncia, após traição na Assembleia Legislativa e pressão, José Augusto de Araújo escreveu:
“Senhor presidente,
De acordo com a alínea B, item II, do artigo 24, da Constituição do Estado, comunico a essa Assembleia que, nesta data, renuncio ao cargo de governador do Estado do Acre, para o que fui eleito em 7 de outubro de 1962” .
Ele não rubricou a carta com a sua assinatura oficial. Fez apenas um rabisco.
O documento, embora tenha sido apresentado no dia 8 de maio de 1964, estava datado como se houvesse sido redigido no dia anterior.
A farsa precisava ser mais bem montada.
Naquele instante, o jovem professor saiu do governo para entrar na história.
O regime de exceção que escreveu várias páginas infelizes na história do Brasil não se contentou em cassar os direitos políticos do jovem governador.
Fez questão de lhe perseguir, de fechar todas as portas necessárias para a sobrevivência mínima.
Mesmo doente do coração, José Augusto de Araújo continuou sendo perseguido, principalmente pelo seu sucessor Edgar Pereira de Cerqueira.
Capitão do Exército, Cerqueira obrigou-o a deixar o Acre com a esposa, Maria Lúcia.
Ao voltar ao Acre, um ano depois para responder a um inquérito por subversão, Araújo acabou preso durante sete meses, mas, como sofria de problemas cardíacos, ficou esse tempo internado no Hospital de Base de Rio Branco.
José Augusto conseguiu a liberdade através de um habeas corpus, em março de 1966 e voltou ao Rio de Janeiro.
No mesmo ano, contudo, teve os direitos políticos cassados por 10 anos pelo Regime Militar.
Perseguido, cassado e caçado, o primeiro governador eleito no Acre mantinha força política, a ponto de eleger a esposa Maria Lúcia deputada federal sem pisar no Estado.
Mas o regime tirou o mandato de Maria Lúcia.
No período em que viveu no Rio de Janeiro, o ex-governador foi ficando com a saúde cada vez mais debilitada, principalmente por causa dos processos que era obrigado a responder.
Até que no dia 3 de abril de 1971, aos 41 anos, acabou falecendo no Hospital Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro.
Cinquenta anos após apoiar o golpe que levou à renúncia e posteriormente à cassação do então governador, Assembleia Legislativa do Acre”devolveu” o mandato de chefe de Estado.
Foi um ato simbólico, a partir da iniciativa do então presidente do Legislativo acreano, Edvaldo Magalhães.
José Augusto de Araújo era pai da ex-vice-governadora Nazareth Araújo.
Deixe um comentário