O incêndio florestal dentro do Parque Nacional (Parna) da Serra do Divisor, no município de Mâncio Lima, revela a completa falta de estrutura do órgão gestor da unidade, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), em lidar com situações de emergência. Mesmo estando numa das regiões mais pressionadas pelo desmatamento e queimadas, o Vale do Juruá, o ICMBio não dispõe de equipes de brigadistas para o combate ao fogo, tendo que pedir ajuda ao Corpo de Bombeiros. O incêndio representa grave ameaça a uma das regiões de floresta mais rica em biodiversidade do mundo.
Após muitas mobilizações, uma equipe formada por quatro bombeiros militares e dois servidores do ICMBio chegou ontem no fim da tarde ao “pé da serra”, a região já próxima à cadeia de montanhas que marca a fronteira do Brasil com o Peru, e onde ocorre o incêndio. Já nas primeiras horas desta segunda (2), os combatentes e ao menos 30 moradores do parque entraram na mata para debelar as chamas. A perspectiva é que ainda hoje um grupo do povo Nukini chegue para reforçar o trabalho.
Para a presidente da Associação dos Servidores Ambientais Federais no Acre (Ascema-AC, Roberta Graf, o caso do Parna da Serra do Divisor revela o “sucateamento histórico” por que passa a estrutura de política ambiental do país, e expõe falhas na atuação dos três entes da federação.
“Acabamos de sair de uma greve muito mal, com um acordo meia-boca porque era o que tinha para hoje. Aqui no Acre nós denunciamos o Ibama e o ICMBio no Ministério Público do Trabalho, no Ministério Público Federal e no Ministério do Trabalho por péssimas condições de trabalho, em todos os sentidos”, afirma Roberta Graf.
Essas condições ruins, ela acrescenta, vão desde a falta de estrutura predial até a atuação em campo. “No Ibama e no ICMBio falta de tudo, inclusive brigadista. Neste ano houve uma redução de 15% na contratação de brigadistas. Agora, já perto do fim do período do fogo, estão fazendo um reforço. Tínhamos cortes orçamentários gravíssimos”, diz a liderança sindical.
De acordo com Roberta Graf, outra situação grave é a falta de equipamentos de proteção individual aos poucos brigadistas contratados. “No Ibama a situação é um pouco melhor, mas no ICMBio é bem capenga.” Segundo ela, apesar de a regional do Alto Acre possuir uma brigada, o trabalho é mais de “enxugar gelo” por causa das condições ruins de trabalho.
A regional é a responsável por combater as queimadas dentro da Reserva Extrativista Chico Mendes, que desde 2019 ocupa as primeiras posições no ranking do fogo entre as unidades de conservação na Amazônia Legal. Em 2024, até domingo, a UC já tinha detectado 96 pontos de queimadas. Ela ocupa o primeiro lugar dentro do Acre. Já o Parna da Serra do Divisor está em quarto, com 35 focos.
Pressões políticas na Serra do Divisor
Além de não dispor de brigadistas, o ICMBio no Vale do Juruá tem uma estrutura de pessoal deficitário. Apenas um servidor da casa é o chefe das três UCs federais do Juruá: além do Parna da Serra do Divisor, a Reserva Extrativista Alto Juruá e a Resex Riozinho da Liberdade. Juntas, as três áreas chegam a quase dois milhões de hectares.
Entre 2019 a 2022, o Parna da Serra do Divisor foi um dos alvos da bancada da motosserrado Acre no Congresso Nacional, por por meio do PL 6024. Pela proposta, a unidade de conservação perderia o status de parque (de proteção integral e regras mais rígidas) para ser uma Área de Proteção Ambiental (APA), cujas regras são mais flexíveis. Um dos objetivos com a proposta é desobstruir os entraves ambientais para a construção que conectaria Cruzeiro do Sul à cidade peruana de Pucallpa.
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