Governador do Acre inova: cria Código de Ética para a Alta Administração enquanto responde por corrupção no STJ

Por Chico Araújo (*)

Em um movimento que mistura ousadia, ironia e um toque de surrealismo, o governador do Acre, Gladson de Lima Cameli (PP), conseguiu roubar a cena mais uma vez. Réu no Superior Tribunal de Justiça (STJ) por crimes como lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, peculato, fraude à licitação e organização criminosa, no âmbito da Operação Ptolomeu, Cameli parece ter encontrado tempo entre depoimentos e medidas cautelares para assinar um decreto que institui o Código de Ética da Alta Administração Pública do Estado do Acre.

Sim, você leu certo: um código de ética, promulgado com pompa e circunstância, enquanto o governador enfrenta acusações de liderar um esquema que teria desviado milhões dos cofres públicos.

A denúncia no STJ, aceita em maio de 2024, aponta Cameli como o chefe de uma organização criminosa que, desde 2019, fraudava licitações para desviar recursos públicos. A principal irregularidade envolve a contratação da empresa Murano Construções, que teria recebido R$ 18 milhões para obras viárias e de edificação, muitas executadas por empresas subcontratadas, como a Rio Negro, cujo sócio é ninguém menos que Gledson Cameli, irmão do governador. A Procuradoria-Geral da República (PGR) estima prejuízos de R$ 11,7 milhões só nesse contrato, mas o rombo total pode chegar a R$ 150 milhões em oito contratos investigados.

Como bônus, a PGR alega que Cameli recebeu R$ 6,1 milhões em propinas, usados para pagar um apartamento de luxo em São Paulo e um carro de alto padrão. Cameli, claro, nega tudo, afirmando que o apartamento pertence ao seu pai e que é vítima de “perseguição”.

Enquanto isso, o STJ prorrogou por mais 180 dias as medidas cautelares contra o governador, que incluem proibição de contato com testemunhas ou outros investigados, recolhimento do passaporte, indisponibilidade de bens e limitação em movimentações financeiras.

A decisão, unânime, foi publicada em 14 de maio de 2025, sob relatoria da ministra Nancy Andrighi. Mas nada disso parece abalar o espírito empreendedor de Cameli, que, em 13 de maio de 2025, assinou o Decreto nº 11.693, publicado no Diário Oficial do Acre, instituindo o tal Código de Ética.

Anunciado com fanfarra pela Agência de Notícias do Acre, órgão estatal que não economiza na autopromoção, o decreto foi celebrado em matéria assinada por Ingrid Andrade. Segundo o texto, “baseado no preceito da boa governança, o governador Gladson Cameli aprovou nesta quarta-feira, 14, o Código de Ética da Alta Administração Pública do Estado”. O documento, que se aplica a secretários, presidentes de autarquias e cargos equivalentes, estabelece princípios como impessoalidade, decoro e prevenção de conflitos de interesse.

Entre as pérolas, o código proíbe o uso de informações privilegiadas, o custeio de despesas por particulares e a obtenção de vantagens pessoais indevidas. Após deixar o cargo, ex-agentes ficam impedidos por quatro meses de atuar em processos dos quais participaram ou prestar consultorias com base em informações sigilosas. Uma Comissão de Ética, formada por três membros de “reputação ilibada”, terá autonomia para fiscalizar e até recomendar exonerações.

A matéria da Agência de Notícias não poupa elogios: “A medida garante o respeito ao interesse público e à valorização da confiança da sociedade nas instituições governamentais”. Difícil não rir da ironia, considerando que o próprio Cameli é acusado de violar esses mesmos princípios. A agência, aliás, é financiada com verba pública, e o governo do Acre não economiza nesse quesito. Em 2023, o estado gastou cerca de R$ 30 milhões em publicidade, segundo dados do Tribunal de Contas do Estado, o que representa aproximadamente 0,5% do orçamento estadual de R$ 6 bilhões.

Em tempos de crise, é reconfortante saber que a máquina de propaganda estatal segue a todo vapor, promovendo iniciativas como o Código de Ética enquanto o governador enfrenta a Justiça.

Cameli, com sua habilidade de transformar denúncias graves em oportunidades de marketing, parece viver em um universo paralelo onde ética e ironia se confundem. Afinal, quem precisa de coerência quando se tem um decreto para chamar de seu? Enquanto o STJ analisa as provas da Operação Ptolomeu, o governador do Acre segue firme, provando que, no Brasil, o surrealismo político nunca sai de moda.

(*) Chico Araújo, advogado, jornalista e teólogo, com mais de três décadas no jornalismo. Autor do livro “Quando Convivi com os Ratos” (Uiclap)
https://loja.uiclap.com/titulo/ua76262, agora lança Sombras do Poder- As vísceras da corrupção no Acre expostas na Operação Ptolomeu”. https://loja.uiclap.com/titulo/ua93569

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